“Precisamos deixar de falar ‘deles’ e passar a falar de ‘nós'”

“Precisamos deixar de falar ‘deles’ e passar a falar de ‘nós'”

Alegre, corajosa, inteligente, determinada e muito sonhadora. São algumas das características de Pietra Silvestri, atriz e influenciadora de 22 anos. “E defeitos, você não tem?”, pergunta a mãe, Noemi Rebello. “Só alguns. Teimosa e mimada”, brinca, entre risos, a jovem com Down que, com o apoio da família, fez das suas redes sociais um espaço de inclusão, compreensão, conhecimento e alegria a cada nova publicação.

Essa história é marcada por ações de inclusão e pelo amor da família.

“Inclusão é atitude de amor e amor é tudo”, como revela a frase da própria Pietra.

De quando ela nasceu até hoje, muita coisa mudou. A mãe conta que era comum a criança ser rejeitada em escolas ou a família ser obrigada a pagar uma taxa adicional para contratação de um tutor. Hoje, essa prática é proibida por lei no Brasil. O mercado também tem se transformado, até mesmo pela Lei de cotas para pessoas com deficiência (PCD), embora ainda existam restrições para quem tem deficiência intelectual e precisa de ações de inclusão que envolvam o apoio da equipe, por exemplo, como aponta Noemi.

“Ainda estamos em evolução. Também tem a questão social: hoje as pessoas estão mais acostumadas a ver quem tem Down ou autismo nas ruas. Antes, as famílias escondiam mais essas pessoas. Então, chamavam mais atenção quando estavam nos espaços”, opina a mãe de Pietra.

Como já escreveu Papa Francisco sobre o tema em suas redes sociais, “ninguém pode ser descartado, porque todos somos vulneráveis. Cada um de nós é um tesouro que Deus faz crescer à sua maneira”.

Em outra oportunidade, o Pontífice destacou a importância de olhar para o próximo como “nós”, e não como “eles”. Uma visão que preza pelo incluir — e não por diferenciar.

“Há necessidade de programas e iniciativas que favoreçam a inclusão. Sobretudo há necessidade de grandes corações que queiram acompanhar. É mudar um pouco nossa mentalidade para abrirmo-nos às contribuições e aos talentos dessas pessoas com capacidades diferentes, tanto na sociedade quanto dentro da vida eclesial. E assim, criar uma paróquia plenamente acessível não significa somente eliminar as barreiras físicas, mas assumir que temos de deixar de falar de ‘eles’ e passar a falar de ‘nós'”, alerta Francisco.

Noemi observa que a presença de pessoas com Down nos espaços de convivência se tornou mais forte e natural. Na rua, na escola e também nas redes sociais, o que traz mais conhecimento e menos estranhamentos. É exatamente essa a ideia do trabalho de Pietra nas redes: para quebrar barreiras, mostrar a realidade dessas pessoas, quem são de verdade, com suas individualidades, características e fragilidades. Com esse tipo de conteúdo e sua popularização, a sociedade tem a oportunidade de entender melhor suas necessidades para que possa existir uma inclusão verdadeira, que agregue e não que os separe ou exclua das vivências.

As mudanças que o trabalho da jovem pelas redes tem despertado podem ser vistas pelos depoimentos de pessoas que passaram a enxergar quem tem Down de outra maneira, como comenta o pai de Pietra, Osni Silvestri:

“Inspira pessoas a saírem de casa, a fazer o que têm vontade, a acreditar nos sonhos. O mais importante é que ajuda as pessoas e outras famílias”.

Os pais se orgulham ao contar que a moça cheia de talentos foi a primeira jovem com Down no Brasil a fazer traduções em libras na internet, cantar e ensinar a língua. Ela não tem deficiência auditiva e aprendeu por um desejo pessoal e para contribuir com a sua comunicação.

“Começou cantando em libras e muitas pessoas ficaram encantadas. Hoje a gente vê várias crianças com Down estudando libras e isso é muita bacana”, comemora a mãe.

Nas eleições de 2022, ela trabalhou como mesária voluntária. Inspiração para muitos, foi a primeira aluna com Down da rede pública de ensino do país a receber o registro profissional (DRT). Em sua formatura, a então estudante foi homenageada pela diretoria do Colégio Estadual do Paraná (CEP), onde fez o Ensino Médio e Técnico em Teatro ao mesmo tempo. Esse é um exemplo de sonho realizado e compartilhado com toda a família, mas há muitos outros pela frente.

Sonhos de Pietra

O que Pietra mais deseja é ter amigos. Não apenas os de grupos de pessoas com deficiência, mas com todas as histórias, de todos os lugares e que possam fazer parte da sua vida, assim como ela das deles. Ir à escola também foi uma grande conquista, principalmente para fazer amizade. Porém, muitas vezes, ela ficava sozinha no intervalo, o que começou a mudar quando seu namorado, Gabriel, que conheceu no curso de dança, foi estudar no mesmo local.

A jovem adora os palcos e foi bem em meio à pandemia, quando ficou distante das suas aulas de Teatro, que começou a fazer vídeos para as redes sociais. Ela tem desejos de ter mais autonomia, como qualquer pessoa da mesma idade.

“Meu sonho é fazer cenas românticas no cinema, novelas, séries, morar sozinha, casar e ter filhos. Quero ter a minha vida, fazer as minhas coisas. Eu adoro fazer amigos e tenho muita saudade de todos os da vida, das escolas, da dança. Eu sei o aniversário de todos. Mando áudios para os aniversariantes do dia e faço vídeo em libras para eles”, compartilha Pietra.

A importância da fé

Quando Pietra nasceu, Noemi ficou muito abalada. Ela conta que precisou trabalhar muito mais a espiritualidade para renovar suas forças e poder cuidar das suas filhas. Esses ensinamentos foram passados em família. “Nós ensinamos Pietra a fazer orações, a pedir a Deus, mas principalmente agradecer, a entregar a Ele muitas coisas, a levamos à igreja. As orações dela são muito bonitas, muito autênticas e puras, voltadas à família, ao amor e à cumplicidade”, conta mãe.

“Eu oro pelos meus amigos, meus pais, minha família, meu namorado, pela família dele. Quando tem uma pessoa doente também faço oração. Tenho muita fé em Deus e Jesus mora no meu coração, guardadinho”, diz a influenciadora e atriz.

Inclusão: assunto de todos

Todos os anos, em 21 de março, são realizadas ações para conscientizar as pessoas sobre a importância da luta pelos direitos igualitários, bem-estar e a inclusão das pessoas com Down na sociedade. A data é trabalhada para levar a ideia a mais pessoas, mas a inclusão e o olhar pela causa precisam ser permanentes durante todo o calendário anual.

Além de viver o dia a dia com garra e amor, Pietra e sua família buscam transformar suas causas individuais em questões coletivas por meio do perfil no Instagram e no TikTok @pietra.silvestri, nos quais tem mais de um milhão de seguidores. Os pais e o namorado estão sempre presentes nos posts, assim como sua irmã, Martina, que voltou a morar no Brasil, após três anos na Alemanha, para poder ficar mais perto de Pietra.

E o que a família espera que daqui a dez anos não seja mais um obstáculo na vida de Pietra e de mais pessoas com Down? “Que a sociedade compreenda melhor e que ela possa morar sozinha”, responde o pai. A mãe acredita que uma década é pouco tempo para uma evolução maior, devido à falta de entendimento de muita gente.

“Ainda há muito a caminhar. Por isso esse trabalho é tão importante nas redes sociais. Mas, acredito, sim, que teremos escolas mais inclusivas, moradias adequadas e estruturas que proporcionem independência. Mais pessoas com Down trabalhando em órgãos públicos, empresas, escolas, em vários lugares, e não apenas em ‘subempregos’”, comenta Noemi.

Está na Bíblia, mais precisamente nos ensinamentos deixados por Jesus, uma grande lição sobre inclusão. Todos os que creem no Senhor devem vivê-la como rotina, pela fé e como atitude:

“Dou-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (São João 13,34-35).

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  • Texto originalmente publicado no espaço IDe+ do Jornal do Evangelizador / Edição 198 – Março de 2024

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